sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Diálogo da véspera da véspera

Ele estava sozinho na sacada do apartamento do primo de um amigo, quando ela chegou:

- Divagações natalinas ai, guri?
- Na verdade eu tava me deixando contaminar com esse ar diferente do final de ano.
- Pois é, tu gosta de todo esse clima?
- Não sei, na verdade eu tento não ligar. Mas às vezes parece que os melhores natais foram aqueles que passaram há muito tempo, sabe? Teve um ano que eu ganhei um fita dos Mamonas e aquilo foi demais. Outra vez eu andei na caçamba duma saveiro, junto com um Papai Noel mascarado, daqueles que dão medo, com o sorriso psicótico estampado no plástico vagabundo.
- Sei sim, eu sempre achei o Papai Noel um cara meio escroto, aqueles então... Nossa, eu adorava aquele tempo em que nós nem participávamos do amigo secreto e eu e minhas primas brindávamos com guaraná. Droga, esse ano eu ainda nem comprei o presente do meu amigo secreto...
- Quem que tu pegou?
- Há, a amiga da minha prima, que eu nunca vi na vida. Só sei que ela ta vindo de São Paulo e é modelo... Acho que eu vou dar um livro de auto-ajuda pra ela.
- Que merda, eu ficaria muito puto se alguém me desse um livro de auto-ajuda no natal...
- Mas essa é a minha intenção! Nos amigos secretos da escola, eu sempre dava presentes legais e ganhava, sei lá, caderno de capa mole ou caixa de Amor Carioca.
- Amor Carioca é meio salgado, né?... Mas eu sempre dava caixa de Amor Carioca.
- Serio? Tu merecia ganhar um livro de auto-ajuda...

Porto Alegre ventava. Parece que o frio queria ficar para a próxima noite, ficar para a ceia. Por enquanto sossegava na sacada do apartamento do Bom Fim. Ela seguia naquele papo:

- Tu vai passar o natal aqui?
- Não, amanhã cedo eu vou pra estrada, quero ver se consigo chegar em Floripa antes do anoitecer...
- Mesmo? Me leva junto?
- Claro! Essa é a minha intenção: conhecer o desconhecido. Ai pelas sete, ta bom pra ti?

(Ela sorriu nervosa, talvez pela sincera verdade obtida na resposta. Talvez o beijo viesse a seguir, mas resolveram aproveitar mais o tal ar que os rodeava.)

- Essa vida na estrada não te cansa?
- O teu trabalho no escritório não te cansa?
- Eu não trabalho num escritório!
- Bom, se tu trabalhasse teria o mesmo cansaço. Eu gosto disso, sabe, de viver desta forma. Lugares novos, pessoas novas. Ouve um tempo em que eu queria ter aquela família tradicional das propagandas antigas da Coca-Cola, mas esse tempo já foi.
- Esta é a minha família – Ela disse.
- Nessa família, eu queria ser o filho. Não o pai, saca? O filho acorda de manhã e brinca com os presentes, assiste os especiais de fim de ano e sua única preocupação é o que vai ter para comer. Já o pai, esse toma uísque e fuma um cigarro escondido da mãe, que esta no banheiro mandando mensagem pro amante... Nossa isso é terrível! Isso é terrível? Eu não sei, realmente não sei...
- Esta é a minha família – Ela disse sem pensar – Tu devia escrever sobre isso. As vezes eu escrevo e isso me faz bem...
- Talvez um dia eu escreva sim, mas acho que é cedo pra isso. Quem sabe eu escreva sobre essa noite, sobre a nossa conversa.
- Não, não. – Ela riu. (Gostou da idéia) – Deve ter coisas mais interessantes do que uma conversa idiota sobre o natal e seus clichês viciosos.
- Então eu vou escrever sobre um Papai Noel bêbado que acabou com o natal das crianças, lá no Moinhos de Vento, só por que os pais deles queriam que o bom velhinho chegasse a meia noite em ponto.
- Claro! Isso seria genial.
- Ele era o Papai Noel do Praia de Belas, adorava uísque, e porra, era natal! Todos bebem sem culpa no natal, porque o bom velhinho não poderia terminar com o Johnnie antes da meia noite, hum? Droga! O maior problema é que amanhã de manhã eu vou ter esquecido tudo isso... Eu sempre esqueço.
- Não. Desta vez eu posso te lembrar, pela manhã.

Provavelmente transaram no quarto do primo do amigo. Só isso. É claro que ela não seguiu junto, mas daqui a cinco ou seis anos a lembrança desta noite seria mais valiosa e o tempo ficaria mais salgado que Amor Carioca.


Ami P.