terça-feira, 23 de março de 2010

Coma

Odeio quando ela olha ingênua para o nada. Esse olhar me atrapalha, me faz pensar coisas que nem mesmo sei agora. Neste exato momento estou bem. Um momento bom. Um momento para ser guardado. Mas se ela olhar para o nada, aí eu já nem sei. Se duvidar pulo desta pedra para o mar. Para onde estas benditas ondas quiserem me levar. Ela aperta fundo. Prende, prende. Passa. Aquele olhar ingênuo esta sobre mim. Prenso junto. Juntinho. As ondas batem, surram as pedras que poderiam ser nossa melhor morada. Ah, Deus!, como eu queria eternizar este instante. A juventude me condenou, e me vi aos prantos, querendo voltar. Mas quer saber: pro diabo com seu olhar! Eu me apegava na vida. Eu me apegava nessas damas que pairam de vermelho, verde e azul turquesa. Me chamava José, João ou outro nome qualquer. Morava ali, acolá. Vivia do vento e de alguns baseados.

Mas, voltando a essa rocha, me via preso a um domingo de manhã. Aprisionado a uma rocha da Joaquina. Era uma puta maresia, um aconchego do caralho. Lá de longe podia sentir o cheiro de suor, o cheiro de batata frita de algum fast food. O cheiro da população vazia. E, às vezes, me sentia tão só, tão frágil por fazer parte disso tudo, como um adolescente em crise. Um adolescente de trinta e dois anos, uma tatuagem desbotada e algumas idéias perfeitas que jamais sairiam de dentro da cabeça de poucos neurônios.

Naquela rocha da Joaquina passaram milhares de histórias, imagino. Histórias de amores lascivos, cerveja e bagulho, algumas infelizes histórias, também. (Quero dizer, que coisa incrível! Peço com fé, com muita fé pra jamais deixar de presenciar e sentir o que sinto agora, sobre o olhar dilatado que se transforma em paixão). Pode ser que eu tenha encontrado meu caminho. Era Maria, Ana, ou seja lá o que fosse. Era mais uma, mas a única na rocha da Joaquina. Ela me disse que jamais esqueceria. Eu acreditei, depois desacreditei; ao fim acreditei mais uma vez. Por que não? Você não acreditaria? Num doce lábio vermelho? Numa tempestade de cabelos castanhos? No sorriso alegre que pedia mais e mais. Beijei-a. Agarrei forte seu cabelo. Ela me mordeu. Recuei. Ela sorriu e eu retribui. Abocanhei-a. Passei a mão por dentro de sua blusa boba de cetim. Ela arrancou minha camiseta. O sol estava quente o bastante para nos aquecer, talvez o bastante para nos querer livre de toda roupa. Sutilmente tirei sua blusa, depois o sutiã. Depois a calça. A calcinha só puxei para o lado. Esquentou. Primeiro eu, depois ela, a rocha, o mar, o todo, tudo.

Tudo.

Ela sorria. Aquele sorriso dobrado, de canto, inconseqüente. Sorriso honesto, não apaixonado, porém safado. Sorriso frágil que jamais consegui dar, ela sim conseguia, não garanto que sempre, mas ali dera. Sorriso filho da puta de bom! Ela gemia baixinho. As ondas quebravam. Íamos em sincronia, perfeita sincronia. Mais alto que o céu. Clichê, cllichê, clichê! Foda-se se era clichê! Era meu momento, seu momento, nosso momento. Eu tava longe. Ela cantarolou suave “baby you just make me mad”. Explodi. Ela soltou uma gargalhada. Eu fiquei ali parado. Ela me beijou unicamente bem. Meu eterno momento, na pedra da Joaquina. Pegou o baseado ainda em cima de mim. Reacendeu.

- Você está pronto?

- Não. Só mais um minuto, tenho que descansar um pouco, meu bem.

- Cara! Isso foi tão bom, de verdade. Foi rápido, mas... Ah, droga! Intenso, saca?

- Isso não precisa acabar, a minha vida se resume a isso. Um momento sublime.

- Desculpa querido, mas você precisa voltar...

O céu escureceu. O mar não estava pra peixe. Uma ventania começou dum lugar que antes não percebera. O que era aquilo? Um helicóptero se aproximava da rocha. Voava baixo, inconseqüente naquela ventania. Um homem, algum tipo de paparazzi, tentava se equilibrar com uma câmera profissional na mão esquerda. Levantei-me com as calças arriadas. Mas que diabos era aquilo? Um tubarão branco apareceu. Enorme. Vinha rápido, muito rápido. Pulou como um golfinho. Alcançou o homem que estava com a câmera e arrancou suas pernas. A parte inferior do helicóptero ziguezagueou no ar, duas voltas em torno de si. Caiu. Agora eram vários tubarões. Cada um mais feroz que o outro. Olhei para a garota. Ela estava nua, com olhar sereno. Olhei novamente para o mar. O helicóptero não estava mais lá. Nem os tubarões. O céu permanecia negro. Ela se aproximou. Estendeu sua mão até meu rosto. Com as costas da mão me fez carinho.

- Desculpa querido, mas você realmente precisa voltar...

- Voltar?

- Sim, voltar.

Meus olhos lacrimejaram. Havia pimenta neles. Esfreguei com as mãos. Melhorou um pouco. Olhei pra ela, estava deitada. Não estava nítido. Porra de baseado! Perto de seus pés enxerguei algo, creio que um peixe. Levei a mão aos olhos novamente. Apertei bem forte desta vez. Melhorou. Ela continuava deitada. Sorriu diferente. Deus do céu! Ela estava sem pés, sem pernas, sem vagina. No lugar destes havia escama, cauda, havia uma coloração esverdeada. Bye, ela disse. Depois pulou. O mar explodia cada vez mais perto. Um telefone tocou. Automaticamente fui atender. Estava perdido entre minhas roupas. O procurava, mas estava difícil. Havia muitas peças. Aquilo tudo não podia ser meu. Cadê esse telefone? Cadê, porra! Entre as roupas senti algo. Agarrei. Parou de tocar. Puxei pra fora. Era uma banana. Fiquei olhando. Era grande, amarela, uma boa banana. Uma banana pornográfica, porem comestível. Ela tornou a tocar. Minha insanidade estava aflorando. Abri o telefone, a banana, aquilo em minhas mãos.

- Sim?

- Baby you just make me mad…

Minha espinha doeu.

Minha espinha doeu muito. Abri os olhos. Estava deitado. Tudo branco. Tudo calmo. Minha respiração ficou ofegante. Sentia dor atrás de dor. Nada fazia sentido. Quem estava naquela praia? Primeiro entrei em pânico, depois tentei gritar, mas não saía voz e os músculos não se mexiam. Parecia estar sangrando. Estava. Meu nariz golfava sangue quente, sangue doce, humano. Tentei me mexer, mas algo me segurava. Tentei ver meu corpo, mas também não tive êxito. Continuava sangrando. Alguém entrou. E mais alguém. Três, talvez quatro. Senti algo penetrar. No braço. De novo. Tem tubarão, tem, juro que tem, pensei. Meu coração sossegou, bem devagar. Os olhos moribundos fecharam.


##


- Doutor, ele vai ficar bem?

- Agora vai.

- Será que ele pode me ouvir?

- É muito provável que não. Lamento.

Saíram.

(Os olhos dela pegavam fogo. Pegavam fogo mesmo sendo azuis. Deu-me um beijo. Adorava seu olhar somente para mim. Detestava aquele olhar para o nada; para outros nem tanto, mas em especial para o nada. Lágrima e tristeza inundou sua alma e por um instante tive a certeza de um tal amor. Beijou um lábio seco e frio e logo depois sorriu. Quando sorriu, soubemos que algum dia, iria ficar tudo bem.)


Ami Porto

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