quinta-feira, 8 de abril de 2010

Malditas Condições

(Acordei com o gosto leve de quem jamais sonha com aranhas e afogamento)

Ao meu lado um corpo nu. O lençol jogado ao chão sem dó nenhum. Cabelos longos e escorridos. Tatuagens vivas. Um cigarro pela metade e um suco de laranja a caminho. Seios fartos causaram impacto em meu colchão. Ela deu logo o play e Who Feels Love fez a terceira acordar, dando um magnífico oi. Havia cinto, meias, garrafas. Havia um suco de laranja nu em meu peito. Brindamos o ato, na chuva macia que vinha nos acolher. Fodemos pro tempo, com o tempo, no tempo. Nas condições que eu jamais saberia explicar. (Não queria tentar explicar.) Who Feels Love mais uma vez. E outra e outra. Quando isso acontece, nosso coração para e se engana. Mas a intensidade é tão brutal que me apavorava imaginar os momentos póstumos a tudo aquilo. Os lençóis mais brancos estavam suados, sugados. E bendito seja o anseio claro de viver! Viver nessa conduta imoral pros nossos vizinhos e primos de terceiro grau! Parara a chuva e tudo se acalmou. Pegaram as roupas e partiram. Agora eram as lembranças e o vazio. Sem choro e angustia. Eu, a solidão e a promessa de mais chuva, na televisão alta do apartamento ao lado.

Da janela do meu quarto
da para ver coisas verdes
e se olhar para baixo tem cocô de passarinho, no teto da garagem;
têm duas vizinhas que fingem não ver
que as vejo trocando de roupa às seis da tarde, antes de irem ao cursinho;
ao lado, tem churrasco nas quartas, sextas, domingos e feriados.
Tem meus discos e livros e pensamentos,
mas isso é do lado de dentro
da janela do meu quarto.

Pensei sobre toda essa confusão e ri bobo em frente ao espelho. Ainda saiba sobre as condições do tempo.


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(Acordei com o gosto amargo de cidades passadas.)

Ao meu lado um corpo lindo, quase transparecendo toda paixão que há na terra. Me implorava um sorriso, mesmo dormindo, mesmo agarrada a um travesseiro branco tão comum . Eu dei o sorriso. Dei o sorriso e talvez muito mais que isso. Nossas almas se encontraram mais uma vez, na areia tão discreta das abominaveis praias daqui. Sabíamos das condições do tempo; apenas do tempo. Uma pausa, para um café. Uma pausa, para verificar se as condições eram de fato, validas. Ouve dias em que tudo valia a pena e novamente esses dias haviam chegado. E a pluralidade, a poligamia, a libertinagem, os devaneios sobre ménage à trois foram pra puta que pariu. A vida poderia escapar, continuar ou desistir. Uma pausa, para o cigarro. Outra pausa, outro cigarro. Ela ali, dormindo apática ao lado, sufocando o travesseiro que horas atrás era tão banal...

Da janela do meu quarto
posso ver a rua,
posso ver rachaduras do tempo,
as infinitas infiltrações.
Posso ver um pouco de sujeira,
ver a areia,
posso ver meus finais de semana passando,
passando quase em vão.

Ela acordou, se espreguiçou, olhou seria e apaixonada. Já não sabíamos sobre as condições do tempo.

Ami Porto

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